Paralelas


Cada vez que alguém fala em ter um prazo para alguma coisa, eu lembro das coisas que fico procrastinando. E claro, como Jo-y bem lembrou, penso em seus respectivos deadlines (prazos de entrega, tempo limite). Ou seja, a linha de morte. Americanismo usado primeiramente como a linha pela qual prisioneiros não deveriam cruzar, sob pena de serem mortos. Daí a idéia da linha da morte. Passou dali, pum. Vira um número, um passado, uma memória.

Faz dias que venho me cobrando que tenho que colocar no ar a canção que me lembra dela. Tá, eu vou te contar como foi um pouquinho. Eu adoro as composições do Belchior. E toda vez que toca essa canção, eu lembro dela. Ela que se mudou para a minha cidade. Por favor, ignora o meu tanto de possessividade. Ela que desfruta* coisas das quais eu abri mão quando acreditei que viveria um grande amor e zarpei de Porto Alegre. Ela que cruza os caminhos cruzados com pessoas que são importantes para mim, mas que não conheço. Ela que tem essa coisa de Cidadela do Exupéry, e um tanto de uma cidade de Mondrian. Um Mondrian que imaginou as ruas de Nova York nos anos 40. Bem Broadway Boogie Woogie. Ela tem um jeito Broadway. No sentido de um caminho amplo, aberto. Ao som de Tango, misturado com Rayuela.

Então tá aqui, Jo-y (apelido homemade). E para mim ela é Jo-y. Isso mesmo. Colorida, e mesmo quando fala do que ela queria ter sido, só transparece doçura.

Para mim: paralelas. Somos paralelas.
Tu na minha cidade natal, eu aqui (de) fora. Paral-elas.

Paralelas, de Belchior

Dentro do carro,
Sobre o trevo, a cem por hora,
O meu amor,
Só tenho agora,
Os carinhos do motor,
E no escritório, onde eu trabalho,
Sempre complico,
Quanto mais eu multiplico,
Diminui o meu amor,
Em cada luz de mercúrio,
Vejo a luz do seu olhar,
Passas, praças, viadutos,
Nem te lembras de voltar,
De voltar,
No Corcovado,
Quem abre os braços, sou eu!
Copacabana,
Esta semana,
O mar, sou eu!
E as borboletas,
Do que fui, pousam demais,
Por entre as flores,
Do asfalto, em que tu vais,
E as paralelas dos pneus,
Na água das ruas,
Que são tuas,
Estradas nuas,
Em que foges, do que é teu,
No apartamento,
Oitavo andar,
Abro a vidraça,
E vejo quando o carro passa,
Teu infinito, sou eu!

* Obrigada, Peerre.
Imagem: Broadway Boogie Woogie, de Piet Mondrian.

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