Desencantos
Quando a gente prioriza quem não presta. E inventa um tempo para essas pessoas e se esforça e se doa. E deixa de falar com quem merece por falta de tempo, por depositar nesse outro, nesse outro mundo, tanta esperança e por sentir tanta alegria que o peito arfa em arco e não condiz, e nem acredita que possa existir tanta felicidade. Logo depois, se aterrissa no de sempre. Solidão, não era bem assim, esse outro mundo não passou de ser uma grande invenção. E eu sei que vou acreditar de novo. Que essa é minha natureza, que quero acreditar, quero me aventurar. Mesmo sabendo que isso me torna uma pessoa que nunca aprende, apesar de ter sido queimada tantas vezes. Salve meu querido Chet Baker. I fall in love too easily.
Mas o mar sempre estará lá, Bebe bem o disse. E eu sempre estarei comigo, me defendendo, me abrigando quando o chão ruir. Embora me arranquem muitos galhos, sempre mantenho as sementes.
Dezembro para tem cara de chatice. Detesto ter que fazer compras de Natal. Detesto esses pretextos para montar árvore, para celebrar, para se reunir, nem sempre com quem se quer estar de fato. Está cada vez mais aguda em mim minha sociopatia. Sinto uma morosidade natalina tão grande, mas tão grande que bocejo só de pensar em fazer qualquer coisa que seja verde e vermelha, relacionada ao Natal e festas de fim de ano.
O trabalho também pesa. Lendo Borges para o clube de leitura, Cortázar para entender o quão cronópia sou, ouvindo Bebe e N. Pastori no volume máximo e buscando em Frida, pela primeira vez, uma imagem que justifique.
Íamos ao mole sob noites enluaradas e ouvíamos música. Fazíamos convescotes, nos movíamos, nos encantávamos. Nos abrigávamos do frio e olhávamos meio atônitos os vagões noturnos e barulhentos que cortavam a cidade em dois e faziam a ponte interromper suas veias. Brigávamos e criávamos uma dialética nossa, tão pura e nova, tão extrema que no dia seguinte queríamos mais. Nossas discussões eram impulsos intelectuais e um imã que nos fazia voltar. Nunca estávamos no zero. Nunca parávamos. Era necessário apenas um dedo teu em meu corpo e uma palavra tua para que eu recomeçasse.
Agora seria necessário um mundo para que eu voltasse. A ser e a inventar tempo para estar contigo. E dezembro segue, com as manchas de uma época que eu elegi para estar contigo. Que era: uma época colorida, vasta, ampla, pacífica de paz de inverno com pássaros beijando o céu, e com o mar caribe ressoando dentro de mim. Quando sentia tua cabeça apoiada entre minhas pernas e meus olhos eram azul de céu marítimo e eu era tua e te dizia que todas as cores eram agora mais Matisse, mais Chagall, mais Degas.
Luto. De novo.
Mergulho no abismo.
Imagem: Antonio Ruiz. El Corcito (1895 - 1964) La Malinche (Malinche)1939
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