October, 2005

A voz de Nina Simone se espalhando pela casa. Ela diz: I put a spell on you...'cause you're mine... Como é que está o teu inglês?

Eu estou em azul, azul do céu de imensidão do sul da Flórida, calor senegalês. Sem amarras, toda sorrisos. Sem nervosismos, serena portanto.   Os ventos que sopram agora cheiram a perfume, Amarige de Givenchy, para ser mais precisa. Já que as cartas de hoje em dia nos privam do toque e a distância nos priva do som de risadas desafinadas e olhares diretos, te descrevo o cheiro.   Porque aromas, perfumes e cheiros têm a capacidade de desvelar memórias, reencontrar saudades perdidas, aproximar. Eu mesma já estive nos cafés de Londres sem nunca ter estado lá.

Antes que eu me perca nesses arroubos deixa eu te dizer que sim, eu tenho fantasias. É no plural mesmo. E que me pedir coerência seria como me pedir para deixar de existir. Te disse que tenho pressa por saber...ou achar que este encontro não vai durar muito. Como todos os outros. E talvez seja por isso que é tão mágico quando voltamos a falar e compartilhar. Os anos alimentam nossas fantasias e a memória se encarrega de enfeitar, de pintar o que ficou com um azul de perdição.   E eu me perco nesse azul. Clarice Lispector dizia que "viver ultrapassa qualquer entendimento". E para mim há um certo viver em te encontrar pela vida de quatro em quatro anos. Não vou te cobrar coerência nem resgatar o passado que não seja feito desse azul profundo do qual eu te falo. Eu não quero. O que eu quero são as minhas memórias que embora não sejam realistas, me alegram, me iludem, apimentam a minha vida e me fazem sorrir.   Me fazem criar a minha própria tela. E eu não quero pintar o que vejo com os olhos da razão. Quero os mesmos olhos que querem me buscar, que querem me fazer sorrir desafinado.

Como vai ser o próximo quadro não me importa. Esta é a minha tela mais importante: hoje.   Tua urgência está em sintonia com a minha. Tua serenidade também. Estou aprendendo a ser paciente, ainda que intensa. Eu já era um turbilhão antes de receber teu recado no Orkut. Os sonhos me faziam acordar no meio da noite. E neles eu sempre te encontrava ou tu me encontravas. O número de telefone, as perguntas. As curiosidades. Saber por onde andavas. Estive no café aquele (que te lembra do cheiro dos cafés de Londres) algumas vezes. Pensei em ti. Tu estás em pequenas coisas, tatuado. Impresso.

Nesses anos, a maior mudança em mim aconteceu quando me dei conta que julgar não cabe em mim. Isso mesmo, meu coração é muito grande para um sentimento/ação tão mesquinho(s).

Quero receber cartas para não te espantar. Quero que esse gole de vinho e de vida durem muito. Quero ouvir, ouvir, ouvir: porque para mim tu és enigma, que eu não quero desvendar. Mas os descaminhos entre perguntas e respostas saciam a minha vontade de saber. Ainda que não tudo, a parte mais gostosa. A parte que te tatuou em mim.

Posso te corrigir? Desculpa, mas eu fiz as contas... São quase cinco anos. Não seis. Eu lembro o dia, lembro da última vez.

Cheguei aqui de avião. (risos)

Para saber de mim tu poderias ler o que eu escrevi nesses anos todos. Está na web. É imperfeito, é um trabalho em andamento, mas fala muito desse tempo. Mas eu prefiro te contar as poucos, destilando os dias, tendo trabalho para encontrar as melhores palavras, descrevendo as sensações, adicionando lirismo a essas imagens. Quem sabe um dia tu me estendas teu braço para que eu possa te narrar essa jornada. E essa estrada tão sinuosa.   É (também) de narrar esse romance etéreo que eu senti falta.

Como eu te disse, eu não vou racionalizar muito (nem sobre o que falaste a respeito de cruzar com alguém que despertasse a mesma sintonia. Francamente, espero que encontres alguém e talvez encontres alguém que desperta mais que isso. Mas, eu acho que despertar a mesma coisa é difícil. Eu ainda me pergunto o porquê dessa sintonia, mas estou cansada de não achar respostas convincentes. E te digo que despertar o mesmo é difícil porque apesar de ser um cliché,  é verdade cada história é única.

Só tenho mais seis minutos para te escrever. E uma torrente de azul me invade de novo. Esse azul é cúmplice do que eu te falo. E se eu te pareci patética, é o excesso de café e imensidão.

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