Tias e mãe: um quatro

Eu tive uma tia de cabelos ruivos. E uma de olhos verdes cristalinos. Uma tia de olhos azul ciano. Uma tia de olhos tristes. Uma tia de cabelos lisos. Uma tia de lábios grossos e delineados. Uma tia que não usava batom. Uma tia que andava só de salto. Uma que andava só de bicicleta. Uma que não saía de casa. Uma tia de saúde frágil que ainda está viva. Uma tia que cantava os mais belos tangos na minha casa em tardes ensolaradas de sábado. Eu tive uma tia que me ensinou a fazer quitutes. Uma tia que me amava como filha. Eu tive uma tia que usava batom vermelho e nunca pintava as unhas. Eu tinha uma tia que teve câncer. Eu tinha uma tia que sofria de amor não correspondido. Uma tia que foi abandonada por si mesma. Eu tinha uma tia que não me defendeu.

Das quatro irmãs, minha mãe era a diferente. Petite, de olhos que mudavam de cor e cabelos pretos e crespos. Era a mais baixa, a que me amava mais do que minha tia que me amava como filha, tinha a voz mais bela dentre as quatro e, quando cantava Violeta Parra e Dolores Duran, me fazia chorar. Amava o mar e nadava longas distâncias, amava a cor amarela e sempre quis ter cabelos lisos. Sonhava com um marinheiro que eu sempre quis conhecer. Perdeu o pai jovem, no dia do seu aniversário. Não sei se o perdoou por (voluntariamente) abandonar sete filhos.

Nos vimos pela última vez num aeroporto. Me esperou para o dia das mães e eu não cheguei a tempo. Me esperou por longos anos e eu não voltei a tempo. Agora: eu a espero pelo resto de minha vida.

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