As minhas horas

Imagem: The Lives of Others.

Sábado
Trabalhar. Explicar para o cidadão que não adianta espernear. Ele vai ter que pagar a multa de sessenta dólares. Até mesmo os funcionários pagam multa. Todas as suas idéias não vão funcionar. Não adianta mudar de endereço, ter o mesmo nome que mais quinhentos, falar com a gerência, esperar o dia em que se institua o dia da anistia para as multas. Me senti mal por eu ter tão clara na minha cabeça a idéia de que os serviços que as bibliotecas oferecem são tão espetaculares que a única obrigação da criatura é devolver os materiais dentro do prazo estipulado. Se não o faz deve pagar multa. Dentro dessa lógica paga multa quem quer ou quem é muito relapso ou esquecido e/ou não valoriza suficientemente os serviços prestados pelo sistema de bibliotecas. Na Califórnia os funcionários eram isentos de multa, aqui na Flórida não. Eu pago as minhas multas, inclusive no cartão que uso para os eventos que realizo na biblioteca, então por favor poupem-me dos chiados e explicações. Paguem as multas. Sejam responsáveis.

Não, eu não posso fazer nada se o material requisitado foi um vídeo e o cidadão recebeu o livro. Não adianta desabafar a frustração comigo. Da próxima vez requisite seu material on-line e me poupe das reclamações.

O vento e a cor no You Tube. Triste. Lindo. Trilha sonora ótima.

Receber elogios
Depois teve a criatura que me disse que tenho os olhos perfeitos. Rá. Enganou-se: não são apenas os olhos. Teve também a senhora que me disse que sou charmosa e meiga. Rá. Quando quero. Ela não vai achar isso quando souber que não pude fazer o que ela queria.

Olhares atravessados
A grande chefe fazendo careta para mim por causa da minha blusa. Bibliotecárias jovens e bonitas são quase um oxymoron. Vistam-se todas com tecidos de cortina, daqueles pesados, feios, e de preferência que deixem apenas os olhos de fora. Se tiverem olhos bonitos, por favor, escondam seus olhos. Beleza na biblioteca é crime.

Ver alguém que te mandou para aquele lugar e estar muito bem, obrigada. Tu, não ele. Sim, embora por dentro ainda doesse e ainda tremesse, por fora estava a mil. As pernas bambas, mas sem descer do salto.

Geografia e clima
O dia foi longo. Um calor infernal na rua, um frio quase Portoalegrense dentro da biblioteca.

Duas tentativas de adivinhar de onde sou: Itália ou Índia. África do Sul ainda está no topo da minha lista.

Sotaque
Inesperadamente ouvir um “amo teu sotaque, de onde és?” Adorei, mas ainda detesto meu sotaque.

Voltar para casa
Exausta, com trilha sonora magnífica, comprar leite, pintar as unhas dos pés de vermelho vivo, experimentar as sandálias novas, relaxar no sofá. Alternar entre um livro bom e música. Ficar sem internet, sem televisão. Mas não estar entediada. Dormir mais de dez horas.

Domingo
Ficar no sofá. Virar de um lado para o outro. Observar as águas do lago, e o sol indo e vindo, as vezes bem intenso. Ouvir música. Tomar café delícia com espresso feito na hora. Ensaiar uns passinhos de salsa, me arrumar para ir ao trabalho, mostrando os dedinhos vermelhos, salto 11.

Antes
Rezar uma reza breve de amor. Pedir o pacote completo. Pedir para encontrar o esperado. Para compartilhar o olhar, sem viver a vida dos outros.

Trabalhar
Rotina. Rotina. Muita gente esperando. Telefone toca sem parar. Intercalo atender com escrever que é par aver se espanto o frio. A nostalgia. O sistema sai do ar. Sem catálogo, sem internet. Sem.

Venta
Aviso de tornado na região. A placa de pedestres na frente da biblioteca move-se constantemente. O sol sumiu. As palmeiras agitam-se. O vento não assobia, as janelas não fazem barulho. Penso em Porto Alegre, nas noites de vento. O minuano que nos fazia bramir de frio.

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