Edredon

Quase não dormi. Abraçada em ilusões com um travesseiro entre as pernas e as mãos frias e desoladas. Havia uma luz, solitária, que me encontrava e mudava minha silhueta. Dourada. Eu mesma via meus pêlos minúsculos na sombra da noite. Coxas, pés. Tornozelos. O corpo esmaecido. E todo o corpo. Vestia uma camisa suja para me lembrar do trabalho hediondo daquela tarde. No teto, crespo e branco, uma aranha e um ventilador ligado apenas por hábito. Por certas horas eu era tudo sentido nos poros, na pele, na superfície da língua áspera e absurda. Depois grunhidos abafados pela espera. Suor.
A certa altura, abri a janela e espiei o vento que, constante e feroz, não me deixava parar de repetir os mesmos pensamentos, as mesmas cantilenas, nem me abandonar no esquecimento. As noites são calmas em sua maioria. Eu reluto para me entregar ao sono como se não fosse mais despertar. Me faria falta fazer caridade, não ver mais o céu. Deixar de ser. Pois tudo é ônus e caos e me dilaceram as ausências, mas enfim a dor se acostumou em mim. Entranhou-se de tal forma que é espinho acomodado no flanco magro e pálido. Parte de algo que eu relativizo pelo contexto. Pelo tamanho dos rombos. Pela necessidade de me curar e estar atenta. Até que chegues.

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