Millais & Modigliani

Faz tempo que não escrevo alguma coisa que me agrade. Sento-me no computador e observo o pássaro amarelo que vem todos os dias. Vasculho os arquivos passados e me pergunto: será que fui eu mesma que escrevi tudo isso? Parece tão distante. Tão estranho.

Descobri o motivo pelo qual o pássaro amarelo volta: para comer os insetos que ficam repousando na vidraça. De longe, enquanto converso com um estranho ao telefone sobre as desvantagens de ir-se a Espanha por estas épocas de vacas magras e dólar desvalorizado, repouso meu olhar. E então mergulho na vida do esquilo que, no topo da árvore, arranca com voracidade uma flor vermelha longa do galho mais ao alto e a carrega, cambaleante. Não me interessa saber para onde.

Deixo de trabalhar. Far Side of the Moon.

O que é que realmente fui quando me emprestava `a ti. Roubaram dos símbolos a tal da crase. E de mim aquele sorriso franco que eu mostrava para ti, entre goles de café, caminhadas, e exatidão.

Quero muito rever: India Praville. E dentro do filme teu rosto, os vincos ao lado dos teus lábios, o róseo das pálpebras.


Se eu fosse uma carta, certamente seria uma carta de amor. E certamente o carteiro me entregaria no lugar errado.

O eletricista chegou atrasado, mas consertou o problema nos fios. E eu voltei a ter água quente. Já quase não lembrava como era. Também esqueci da sensação de como é dar um abraço em alguém que a gente ama.

Acabo de ver um casal de idosos de mãos dadas. Tão raro. De súbito, eu me lembro das tuas idéias de que nesta república, que tu investaste e que era tão entendiante, as pessoas nunca davam as mãos. Eu sempre fui do contra. Na minha república carinho é sempre, sempre a melhor opção.

Millais ficou para depois.

Fecha os olhos. Vou te dar um beijo.

Imagem: Amedeo Modigliani. Portrait of Jeanne Hébuterne.

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