Quando foi que criamos essa idéia de que o passado era tão melhor? Quando foi que estabelecemos que as fotografias antigas que guardavas naquelas caixas perto do roupeiro tinham as respostas? Quando foi que descobrimos, que o passado em seu papel de coadjuvante, arrancaria do presente seu brilho, roubaria a cena e ganharia um Oscar, no papel principal? Quando? Quando foi que eu mesma me deixei ir?

Quando foi que descobri que até meus outros textos e retratos seriam tão melhores que os do presente?

De onde vem essa idéia sôfrega? De onde vem esse ritmo de ontem? De que material é feito, que dores, que sentimentos causa? Dentro há uma ilusão de que o presente é melhor. Mas não sou dada a viver de ilusões. Não por muito tempo. E o tempo me entrega fatias de felicidade, e certas relíquias que se tornam relíquias por serem justamente fruto do tempo.

O que hoje é descontentamento, lágrima, trabalho árduo, amanhã vai ser pequeno desconforto, alegria líquida, construção. Amanhã eu vou ter a convicção de que hoje era muito melhor.

entendo que já não possas me ler. aceito. resigno. contemplo a idéia de que talvez com-partilhes de um dos meus tangos-milonga. Ou querias estar presente quando eu toco um tango-valsa.
Ao longe. que-ro que saibas que sempre escrevi para ti. Embora não tivesses nome, um rosto definido, e nem tuas mãos fossem claras e pudessem me tocar.

Ontem, saí. Ganhei a rua com uma segurança masculina e quase irritante. Lancei aquele olhar que tanto te fazia rir. Mais de uma vez. E mais de uma vez pensei em ti.
E dancei para esquecer que estás longe, para celebrar que existes, e que exististe desde dos primeiros momentos pelos quais te esperei. Foi quando eu soube que te esperava que tu passaste a ser. Dentro de hoje: quando vou passar a ser para ti?!?!?!

Também, ontem. Eu escapei. Mergulhadora. Imersa na alma humana e em minha própria companhia. Este hoje, e essa memória de ontem, vai/vão se esvair. Um dia, nem eu mesma vou lembrar daquela menina de saia vermelha que caminhava na beira do mar, perto do hotel, observando a lua e respirando o cheiro da noite. E assim então escrevo do que lembro. Fagulhas. Escrevo sobre essa idéia fantasiosa que tenho de ontem. Não é tudo verdade, e nem tudo está presente. É minha foto mental do que vivi sem ti. Um postal.

ontem & hoje.
Sem estar ilesa. Para que eu saiba que vivi. Em ti.

Comments

Popular posts from this blog

Lost Phone