Keiko Anos Mais Tarde

12/25/2005

Estes tempos
Revela-se em mim um testemunho de que renascimentos existem. Talvez eu não acredite no renascimento apregoado pelos tempos de Natal e fim de ano. O meu renascimento teve tempos deslocados. Datas incertas. Períodos confusos, sinais de hemisférios distantes. O meu renascimento teve gestos de estranhos, carinhos de mãe e irmão ausentes, o olhar de alguém que não conheço e já sinto como uma irmã. O meu renascimento não teve data precisa de início, mas pertenceu um pouco à dor da perda da minha vó no início do ano. Estes tempos têm trazido mais buscas, encontros, verdades, confrontos, esperanças, uma amor renovado e imenso pela vida. Estes tempos de batalha cansam e exaurem a mente e atordoam o corpo, mas também limpam e agregam. Este renascimento aviva as cores e os cheiros em mim.

Desejos latentes se fazem presente. Corto o que não me faz bem logo de saída que é para não marcar passo. Não desejo alterar a ordem das coisas, mas a fibra e o querer estão presentes. Ainda espero por alguém com quem possa derreter, voar, ir à Espanha. É bom entender renascendo e ter descoberto com quem não quero ir. Quero uma filha e já a vi várias vezes em sonhos e imagens que se apresentam de vez em quando.

Estes tempos trouxeram um emprego em lugar inusitado, no qual ouço jazz o dia inteiro e observo o comportamento humano. As paredes coloridas, as clarabóias desmedidas como braços de tia, as luzes que descem do teto como se fossem tentáculos vindos do céu, o ir e vir dos que passam como eu.
Pode ser que esta alma que vivo agora, tão aguçada, tão pungente, passe, vá embora e dê lugar à outra. Tantas coisas podem ser. No trabalho me chamam de Keiko, visto um quimono e estou rodeada de asiáticos. No trabalho eu colho e aprendo com a vivência de cada um deles. O gordo que conta estórias que ninguém acredita, a japonesa que me diz que eu tenho rosto de modelo e pergunta como posso me chamar Keiko, o chef do sushi bar que às vezes sorri.
Este meu renascer me liberta e me faz encontrar alternativas. Cria para mim um lastro. Quando saí procurando pelo que estava faltando, não encontrei. Me deparei com tempos de espera, tempos de gotas, sinais que não podia decodificar. Desejei ter amigos e nova paixão. Desejei um rosto novo para eu espelhar meus olhos.
Não tenho certeza do que encontrei, do que é pretensão, desvario, delírio. Não quero esquecer o que me aconteceu pois assim é mais fácil acreditar. Esquecer é um vento que leva barcos para longe. Qualquer dia desses vou perguntar à japonesa o que é que Keiko diz. Acho que estou pronta para saber. E resta aqui a verdade inabalável que o tempo não há de amargurar meu olhar, nem desfazer a casa que estou construindo. Na beira do mar.

Imagem: Milton Avery. Título: Green Sea.

08:40 Posted in Testemunho
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